quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Laranja Mecânica - Stanley Kubrick

Por Felipe de Oliveira e Renato Mendes


O filme começa com o protagonista Alex DeLarge usando drogas e falando sobre os atos de “Ultraviolência” que pratica. Ele simboliza o crime que sempre se fez e sempre se fará presente. Alex estabelece, desde o início, um diálogo com o espectador (a quem ele chama o tempo todo de “amigo”). Os primeiros minutos nos remetem, até mesmo, ao bullying. A gangue de jovens (liderada por DeLarge) age sem se importar com as conseqüências, e sem deixar que suas atitudes atinjam sua integridade ética e moral. A falta de limites é entendida quando a relação pai-filho é mostrada. Na película, os pais são totalmente passivos e não tem voz dentro dos lares.

Decorrido um certo tempo do filme, Alex mata, “sem intenção”, uma mulher idosa, dona de um SPA, com um enorme falo. Devido ao acontecido, o protagonista é levado à prisão, mas não sem antes ser torturado por agentes do Estado, mostrando a brutalidade de um regime totalitário, que chega a passar por cima das leis então regentes e dos direitos humanos. Isso é perfeitamente exemplificado pelo seguinte diálogo do roteiro:

Alex: “Não direi nada sem o meu advogado, conheço as leis, seus bastardos”

Policiais: “Nós vamos mostrar que também conhecemos as leis, mas que conhecê-las não é tudo”.

E começa a tortura.

Já na prisão, Alex é obrigado a realizar tarefas das quais não deseja, como freqüentar reuniões de uma doutrina não correspondente à sua. Como a personagem principal diz, a cadeia poderia ser comparada a um zoológico humano, onde as vontades pessoais não interessam a ninguém. Sua total dedicação em ler a Bíblia, somada com um perfeito comportamento, fazem crítica ao absolutismo das religiões nas vidas das pessoas e às normas comportamentais que elas impõem.

Após cumprir apenas 1/7 de sua pena de quatorze anos, DeLarge se vê defronte de uma “oportunidade” que poderia redimi-lo de sua dívida com a sociedade e reinseri-lo na mesma, completamente regenerado. Nesta parte do filme vemos uma crítica ao Estado, que é hipócrita não liberando verba para as prisões, mas também não arca com as conseqüências da superlotação das celas, fazendo com que as condições de vida fiquem aquém do aceitável para humanos. Essa crítica transparece na fala do Ministro do Interior, que reclama da quantidade de presos por cela, e quando interrogado a respeito de uma possível liberação de verba, desconversa.

Alex é escolhido pelo ministro para entrar no programa de reinserção na sociedade, já citado, chamado “Projeto Ludovico” (cujo nome, propositalmente se assemelha à Ludwig, primeiro nome de Beethoven) e daqui para frente referido como tal, que consiste na aplicação de medicamentos que deixam o cérebro do indivíduo susceptível a novas ligações neuronais a partir do “videamento” de filmes “ultraviolentos”, que retratam atitudes parecidas com as anteriormente praticadas pelo protagonista, que deveriam ser reprimidas. A polêmica do tratamento é que ele inibe a possibilidade do indivíduo escolher pelo caminho das boas ou más atitudes, condicionando-o a ser capaz de praticar apenas as boas, do contrário, sentiria uma dor horrível. Por tirar o nosso livre arbítrio, o tratamento consistia num processo de desumanização, já que ter a liberdade de fazer nossas escolhas é o que nos difere dos animais irracionais e nos dá a condição de humanos.

DeLarge sai da clínica, teoricamente curado de sua má índole, porém, o reencontro com uma de suas vítimas, especificamente, fará com que tenha uma recaída. Após sair do “Projeto Ludovico”, muitas coisas acontecem: ele é renegado pelos pais, apanha de um mendigo em quem já havia batido, é maltratado por seus ex-companheiros de vandalismo (que agora são policiais) e, enfim chega à casa de um casal, o qual bateu no homem, deixando-o paralítico, e estuprou a mulher, matando-a. Isso desencadeará uma série de acontecimentos que farão com que ele volte a ser o que era. A vítima remanescente (um homem velho) descobre que Alex foi acidentalmente condicionado a odiar a 9ª do Beethoven (por um acidente no “Projeto Ludovico”), que dantes fora sua música preferida. Quando a escuta, sente as mesmas dores horríveis que sente ao cometer atos violentos. Com isso, é armada uma arapuca para Alex sentir tanta dor a ponto de querer se suicidar, para provar que o estado não está criando cidadãos melhores, e sim, monstros que não são capazes de se defender ou de guiar a própria de vida. O plano funciona, e logo o Ministro do Interior vai visitar DeLarge com uma proposta indecorosa: que ele alivie a difícil situação do Estado perante a sociedade, em troca de emprego, dinheiro e segurança. Nessa parte do filme é mostrado um claro exemplo de corrupção e de como tantas coisas são feitas por “debaixo dos panos”, sem que ninguém saiba.

Alex aceita a proposta e, mostrando que tinha voltado a ser exatamente o que era antes do “Projeto Ludovico”, é mostrada sua imagem, deitada no chão, estuprando uma mulher e sendo assistida por várias pessoas. Enfim, sua voz pronuncia em tom macabro:

-Eu estava mesmo curado!

Laranja Mecânica é um filme extremamente inteligente com críticas um tanto quanto ácidas. Apesar de anos terem se passado desde a sua estréia, notamos que o debate que o filme propõe é totalmente pertinente à contemporaneidade.

Na época em que foi lançado, ele provocou uma série de confusões sociais. Pessoas cometiam crime e iam presas, mas alegavam no tribunal que tinham sofrido forte influência do filme. Alguns mais extremistas chegaram até a cometer suicídio. A sociedade da época não estava preparada (como um todo) para receber ou entender o que se propunha.

O título do filme é explicado da seguinte forma: o autor do livro (que deu origem ao filme) havia escutado algo sobre um polêmico tratamento de reeducação de jovens delinqüentes, assim, eles seriam reinseridos na sociedade, doces como laranjas, mas de uma forma falsa, que nos remete ao principio da máquina. Hoje é que se debate deveras essas questões do discurso do filme (como a polêmica do título), portanto, consideramos Laranja Mecânica uma obra de arte que se faz intacta através do tempo, já que seu objetivo (o de cutucar o espectador) ainda é atingido toda vez que alguém o assiste.



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