domingo, 14 de fevereiro de 2010

Sociedade dos Poetas Mortos – Peter Weir

“Disciplina, tradição, honra, e excelência” são os quatro pilares da academia preparatória “Welton”, (ou, como brincam seus alunos, “Paródia, terror, decadência e excremento”, os quatro novos pilares). É nesse colégio extremamente rígido e tradicional que estuda Neil, um jovem dedicado e estudioso que ainda não sabe o que fará de sua vida após o fim das aulas.

No ano letivo que se inicia, o antigo professor de Inglês decide se aposentar, com isso, entra em cena o professor Keating, que mudará por completo o modo de pensar de seus alunos. Seu ensino se mostra, desde o início, vanguardista e diferenciado, sendo que sua preocupação está em formar homens que saibam pensar por si mesmos, e não adolescentes bitolados em busca de uma vida almejada por seus pais. A princípio, os próprios alunos demonstram resistência, devido ao enorme contraste entre o novo e o que eles estavam habituados (passar o dia estudando coisas que jamais lhes seriam úteis algum dia de suas vidas), mas com o tempo eles cedem ao encanto do novo estilo de aula: livre, prazeroso e, principalmente, rico em aprendizagem.

A relação do filme com a expressão latina “Carpe Diem”, é interessante. Transportado para o português, soaria algo como “colha o dia”. Toda a película se desenvolve em torno dessas palavras, o que causará transtornos mais tarde (mas apenas mais tarde. Por hora, voltemos ao início do filme).

Keating fala da denominada “Sociedade dos Poetas Mortos” para seus alunos, que gostam da idéia e decidem criar uma para si. Toda sexta-feira eles se reúnem para ler poesia no meio da floresta. “Eu queria viver profundamente e tirar toda a essência da vida...” é a frase de iniciação do encontro. A reunião passa a ser um refúgio onde podem escapar da pressão da escola. Pela primeira vez esses jovens sentem que estão fazendo algo em que acreditam e, por ser escondido, têm a sensação de transgressão, própria dos adolescentes (esse clima chega a nos lembrar o maravilhoso “Adeus, Meninos”, de Louis Malle).


“Escrevemos poesia por sermos humanos, e a raça humana está repleta de paixão”

(Frase presente num dos diálogos do filme)


Numa de minhas inferências ao filme, pude perceber (perceber, nunca constatar!) a forte dicotomia entre sobreviver e viver. Os animais irracionais sobrevivem, assim como nós, seres humanos, porém existe um “estado de espírito” (assim o chamemos) que está acima de tudo isso: o “viver”, que só é possível quando acrescentamos a arte à sobrevida. Não pretendo me prolongar em discutir a função da arte (se é que ela existe), por isso direciono as minhas idéias para o contexto da poesia e da arte no filme.

“Saiba onde você está”, diz uma frase que li em algum lugar. Podemos interpretar que essa frase nos fala que devemos nos conhecer e ter uma razoável autoconsciência, pois nossa relação com o mundo depende dela. Procuramos aceitação durante toda a vida: na infância e adolescência com os nossos pais, na juventude com os nossos amigos, na vida adulta com a nossa profissão e assim por diante. Nossa identidade pode estar nessa procura por aceitação. Na morte, quando sobrepomos os papéis que desempenhamos durante a vida, encontramos quem fomos, por isso, o tempo que temos para mudar (se julgar necessário, mas sempre o é) é agora.

O filme nos apresenta uma infinidade de personagens com modos de pensar extremamente diferentes, mas duas me chamaram a atenção: Todd Anderson, um aluno compenetrado, porém extremamente introspectivo e oprimido pela responsabilidade de se igualar ao seu irmão mais velho, que foi o melhor aluno da escola no seu tempo. Todd é o melhor amigo de Neil, a segunda personagem que me chamou atenção, que é também o jovem citado no início do texto e protagonista do filme. Neil é muito criativo e, após ter contato com os métodos de ensino encorajadores de Keating, decide ser ator. Porém seu pai é absurdamente autoritário e acredita que o melhor para seu filho é ser um médico. A rigidez do pai resultará, diretamente, no suicídio do garoto ao final do filme. Suicídio esse que virá de um conflito surgido pela falta de compreensão, pela ausência de conversas e, principalmente, pelo veto do pai com relação à participação de Neil numa peça de teatro amadora. O protagonista insiste e decide atuar escondido (desempenhando o papel do jovem de questionar, não se conformar, transgredir e, claro, tentar modificar), mas acaba sendo descoberto. Nós temos imensa dificuldade em manter e demonstrar nossos ideais na presença de outros. A desconstrução do sonho se dá quando não percebemos que uma mesma situação tem várias faces e que o que é bom para uma pessoa pode não ser para outra.

Por conta dessa tragédia, Keating é demitido. O estímulo da autonomia e a formação humana são reprimidos pela mesmice, pelo orgulho e pela idéia de que o aluno está na escola apenas para ser preparado para a faculdade. Isso é um erro! O estudante deve ser preparado para a vida. O professor tem o dever de guiar o jovem nesta empreitada lhe dando o suporte necessário para, além de construir o conhecimento, agregar valores ao seu caráter.

“O caminho menos andado sempre tem mais espinhos”, diz uma frase que já ouvi de várias pessoas (inúmeras vezes do diretor da minha escola). Acontece assim com todas as idéias. O problema de estar no ideal vanguardista da educação é que há sempre mais empecilhos do que percorrer caminhos que já foram percorridos, mas há a vantagem e a satisfação (também a esperança) de colher os frutos primeiro.



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Kieslowski - Morto que te quero Vivo

Krzysztof Kieslowski foi um diretor polonês que encantou o mundo com seu cinema. Nascido em Varsóvia, começou filmando documentários para depois passar para a ficção. Sua contribuição para a história da sétima arte não se limita à produção de bons filmes. A cinematografia polonesa ganhou o mundo, não só pela genialidade de seus roteiros, como pela perspectiva de um diferente conceito de linguagem. Com Krzrsztof, o cinema viu emergir, ainda mais madura, uma linguagem que criava uma identidade para o audio-visual polonês.

Sua engenhosidade se encontra na forma como ele discute a condição humana, em temas que dizem respeito a todos nós, e nos tocam por isso. Kieslowski sempre dirigiu filmes dignos de atenção, como “Sorte Cega” e “Sem Fim” na década de oitenta, mas este texto se concentrará na fase pós-Decálogo de sua carreira, que foi quando seu nome ficou conhecido no mundo inteiro pela ambição, qualidade e ousadia.

No final da década de 80, Kieslowski realizava uma de suas mais ambiciosas obras: O Decálogo. Trata-se de uma série de dez filmes de cinqüenta minutos feita para a televisão polonesa. Krzysztof transporta os valores contidos nos dez mandamentos e desenvolve uma profundíssima reflexão sobre como estão esses valores nos dias de hoje e como podemos retratá-los. A obra se tornou tão famosa e tão requisitada que o diretor transformou dois de seus episódios em longas metragens: “Não Cometerás Adultério” se tornou “Não Amarás” e “Não Matarás” manteve seu título. Ambos foram enviados para o Festival de Cannes, onde receberam o Prêmio do Júri.

Nessa altura, a forma de Krzysztof filmar seus roteiros mudou. Ele passou a minimizar os diálogos e se concentrar no poder da imagem e das cores. A preparação dos atores era algo muito intenso, pois seu papel era fundamental. Famoso por ser extremamente detalhista e econômico, o diretor se preocupava em escolher minuciosamente os lugares de todos os objetos no cenário. Filmava cada plano apenas duas ou três vezes, pois dizia que, se não havia ficado bom até então, não ficaria jamais.

Devido ao grande sucesso d’O Decálogo, Kieslowski foi chamado para trabalhar na França, onde permaneceria até seu último filme. O primeiro filme dessa “parceria” foi “A Dupla Vida de Véronique”(vide crítica homóloga), seguido pela consagrada “Trilogia das Cores” (vide “A Liberdade é Azul”, A Igualdade é Branca” e “A Fraternidade é Vermelha”), sua última obra.

Nessa fase final, os temas que mais se fazem presentes são o acaso e os “fios invisíveis que ligam as pessoas”. Vemos Kieslowski discorrer durante todo o tempo sobre a falta de controle que temos sobre a nossa vida. Podemos ser determinantes no nosso destino, mas muito mais determinantes são as pessoas que nos cercam, a nossa sorte e os acasos que acontecem na nossa vida. Seu cinema é infinitamente rico e encanta pelas fotografias e trilhas sonoras espetaculares. Talvez ele ainda nos toque pela universalidade e atualidade dos seus temas: solidão, incomunicabilidade, política, amor, entre outros (algo que nos faz cogitar uma relação entre ele, Bergman e Antonioni).

Kieslowski dizia que não acreditava no cinema, que só o fazia por ser a única coisa que sabia fazer no mundo, mas que acreditava piamente nos seus espectadores. Morreu em 1996 após concluir “A Fraternidade é Vermelha”, levado à Cannes para concorrer à Palma de Ouro, porém desbancado por “Pulp Fiction”. Tempo depois, Quentin Tarantino deu uma entrevista dizendo que o “Vermelho” é que deveria ter sido o vencedor, o que concordo inteiramente. Pouco antes de morrer Krzysztof disse, numa coletiva em Cannes que pararia de filmar (já que conhecia a grande fama dos críticos franceses de ascender um cineasta para depois derrubá-lo), mas logo depois iniciou o roteiro de uma trilogia baseada na “Divina Comédia”, que não pode concluir, mas que foi parcialmente filmada uma década mais tarde.