domingo, 8 de novembro de 2009

A Liberdade é Azul - Kzrysztof Kieslowski


"O homem sempre viveu o mito do amor. Para muitos, amar significa renunciar à liberdade"


A primeira parte da Trilogia das Cores já começa nos dando um susto: um acidente de carro, no qual o marido e a filha da protagonista (Julie, fantásticamente interpretada pela maravilhosa Juliette Binoche) morrem. Ela acorda no hospital, onde fica sabendo do acontecido. A partir daí, Julie tenta se desvincular de tudo que lhe lembre o passado. Põe a casa à venda, transfere seu dinheiro para uma conta desconhecida e se desfaz de suas fotos antigas, deixando restar somente um lustre azul que, outrora, ficara dependurado no quarto (também azul) de sua filha. O marido de Julie era um compositor muito famoso. Ele estava compondo o Concerto Pela Unificação da Europa e, até mesmo suas partituras, ela decide destruir.

Aos poucos, Julie se fecha em seu mundo. Nada mais lhe interessa, apenas as coisas corriqueiras da vida, que não lhe apresentam risco de envolvimento afetivo. Isso é perfeitamente exemplificado pela belíssima fotografia, quase obcecada por closes, mostrando o mundo extremamente minimalista da personagem, restringido somente ao seu entorno.

A protagonista tem o costume de ir a um “café” perto da sua casa, onde coincidentemente, um flautista toca todos os dias uma música muito parecida com o Concerto Pela Unificação da Europa. O diretor do filme tinha como objetivo nessa trilogia, mostrar o que une os seres humanos, e isso é exemplificado nos detalhes mais irrelevantes do dia-a-dia, como o fato de duas pessoas, em diferentes lugares, terem a mesma idéia de uma mesma composição musical. Quando Julie conversa com o flautista, este diz enigmaticamente que “é preciso se agarrar a algo”.

Olivier, um velho amigo do falecido marido de Julie, começa a procurá-la obsessivamente, dizendo estar apaixonado. Aos poucos ela começa a ceder a esse homem de quem conhece pouco, mas que a ama muito. Juntos, eles decidem dar continuidade ao trabalho de Patrice (o falecido marido), terminando o Concerto Pela Unificação da Europa.

Julie descobre que a música sempre esteve dentro dela, e que as coisas pelas quais ela passou, não iriam sair de sua memória. A liberdade totalmente idealizada que buscava, é inatingível.

Um ponto muito marcante na obra de Kzrysztof Kieslowski é a questão da dualidade e do acaso. Os três temas (liberdade, igualdade é fraternidade) circulam pelos três filmes sem regras de interpretação. Entre os longas há cenas em comum, como a cena da senhora que tenta colocar uma garrafa de vidro num container alto. Em cada filme, as protagonistas reagem de formas diferentes. Nesse primeiro, Julie apenas observa a senhora.

Outro ponto marcante é que muitas coisas importantes para o entendimento da obra ficam implícitas em cenas metafóricas, cheias de significados. É o caso da cena em que uma prostituta vai à casa de Julie e lhe diz que se identifica muito com o lustre azul, pois também tivera um, quando era pequena. Se não fosse a aproximação gradual da prostituta com a protagonista, esta nunca descobriria que seu marido tivera uma amante. Amante para quem será dada a casa em que Julie morara com Patrice.

A fotografia opta pela tendência à cor azul e cria quadros memoráveis. A trilha sonora é uma das mais lindas da história do cinema e é essencial para a compreensão sensível da obra. Um filme realmente grandioso.

Na linda cena final, vemos uma seqüência que mostra o destino das personagens do filme: Julie transando com Olivier em uma espécie de redoma de vidro. Eles estão ali, são humanos, têm defeitos, qualidades e entendem que sofrer faz parte da condição humana. Vemos a única testemunha do acidente trágico do início do filme, que ficou para si com um colar achado perto do carro. Vemos a morte da mãe de Julie, que estava perturbada psicologicamente e morando num asilo. Vemos a prostituta esperando sua hora de entrar no palco do bordel. Vemos a amante de Patrice fazendo um ultra-som, pois está grávida dele. Finalmente, a cena volta para a protagonista e vemos, pelos olhos de Olivier, ela completamente nua, de costas e reflexiva (livre dos fantasmas do passado, mas entendendo que o que viveu nunca irá deixá-la). Há um corte para o rosto de Julie. Uma lágrima escorre-lhe pelo rosto (é uma das raras vezes que chora). Aos poucos o azul toma conta da tela. Os créditos sobem.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Nota: Trois Couleurs


A Trilogia das Cores, de Kzrysztof Kieslowski, foi feita na década de 90, em comemoração ao bicentenário da Revolução Francesa. Ela trata dos temas "Liberdade", "Igualdade" e "Fraternidade" e relaciona-os com as cores da bandeira da França: azul, branca e vermelha.
Essa obra vem sendo revista desde seu lançamento. Sempre que é assistida, descobre-se algo novo, e cada vez mais, se tem certeza de que Kieslowski criou uma trilogia realmente monumental.