quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Tudo Sobre Minha Mãe - Pedro Almodóvar

Pois sim, meus senhores, este é um filme dedicado a todas as mulheres que querem ser mães. Considerando este simples fato, a película já teria algum crédito comigo.

Em minha opinião, este é um dos melhores longas da carreira de Almodóvar (talvez o melhor). Ele conta a estória de Manuela, uma enfermeira que perde o filho de dezessete anos (Esteban) por conseqüência de um atropelamento. Ela então inicia uma viagem para Barcelona, em busca do pai do garoto, que nunca o havia conhecido, nem sabido de sua existência.

Manuela, além de enfermeira, também faz dramatizações sobre doação de órgãos, para que o assunto seja discutido pela equipe do hospital em que trabalha. É, portanto, congruente que, após a morte do filho, a decisão da mãe fosse doar seus órgãos. Esteban, então, tem seu coração doado. Ele queria ser escritor, completava dezessete anos no dia de sua morte e não sabia nada sobre a vida de seu pai.

O filme se revela extremamente sensível logo no início, quando Manuela decide encontrar o homem que recebeu o órgão do filho, e diz: “Eu fui atrás do coração do meu filho”. Torna-se uma questão de honra encontrar Lola, o pai de Esteban (que também se chamara Esteban antes de se tornar travesti). Só assim Manuela ficaria em paz consigo mesma. Ela volta à Barcelona, cidade onde vivera com o ex-marido. Lá encontra amigos do passado, como Agrado, que lhe diz que Lola havia fugido de Barcelona e roubado seu dinheiro.

É uma película muito rica, tanto em roteiro quanto em música, atuações e fotografia (as famosas “cores de Almodóvar”), não convém que eu revele todas as nuances e surpresas da estória neste texto (leia-se: assista ao filme), por isso me concentrarei em fatos dignos de mais atenção.

Manuela conhece Rosa, uma mulher extremamente solidária que havia transado com Lola pouco antes desta fugir. Desse relacionamento, vieram dois filhos, um bendito e um maldito: o terceiro Esteban (Lola é o primeiro, o filho de Manuela é o segundo e este é o terceiro) e a AIDS. Mais uma vez vemos temas polêmicos e recorrentes na carreira de Almodóvar voltarem à tona. No caso, ele trata da homossexualidade, os travestis, a doação de órgãos e a AIDS.

Um traço interessante neste filme é a marcante presença do teatro e das citações cinematográficas. Vemos Marisa Paredes interpretando Huma Rojo, a atriz que faz o papel principal na peça “Um Bonde Chamado Desejo”, transformada em filme posteriormente. Talvez Almodóvar seja, realmente, um diretor mais teatral. Segundo suas próprias palavras, ele tem se interessado cada vez mais pela natureza humana. É provável que, para falar da condição humana, o cinema tenha que se valer de recursos teatrais, mas sem nunca abrir mão da linguagem própria que adquiriu durante seus cem anos de história. Digamos que se trata de uma intertextualidade entre os meios de expressão artística.

Mais uma vez o diretor mostra uma de suas marcas registradas: a direção de atrizes e a repetição das mesmas. É raríssimo encontrar um filme de Almodóvar que tenha um homem como protagonista. Nesta película, algumas de suas musas inspiradoras se fazem presentes, como Marisa Paredes, Cecilia Roth e Penélope Cruz (iniciante na época).

A música nos dá a impressão de ser tratada como uma personagem e, a fotografia, como todos sabem, se gaba de esbanjar a riqueza das cores, dos cenários perfeitos e a beleza e delicadeza das atrizes.

No final, Rosa morre e Manuela vê Lola, que havia ficado muito debilitada por causa da AIDS. Aquela, então, conta a esta tudo sobre sua vida e sobre a existência de seu filho. Ambas se encontram num café, numa linda cena em que os olhos de Esteban (filho de Manuela) são mostrados enquanto Lola lê seu diário, que diz que não importava como o pai parecesse, ele queria conhecê-lo.

O título é um joguete com o filme “All About Eve” (“A Malvada”, em português), o que mostra, mais uma vez, a presença do teatro na película. Antes de morrer, Esteban escrevia um conto sobre sua mãe, no qual desejava saber tudo sobre seu pai, pesquisando cada vez mais fundo a vida de sua própria mãe. O nome dado ao conto? Tudo Sobre Minha Mãe. Sempre que tratamos das relações dos pais com os filhos, ficamos tocados, pois são coisas que dizem respeito a todos nós. O amor de uma mãe por seu filho é sagrado, como diz, essencialmente, Marisa Paredes no ensaio de uma peça do García Lorca: “Coloquei meus dedos no sangue do meu filho e lambi com a minha língua. Era o meu próprio sangue. Eu não tenho nojo do meu filho!”. É um filme que diz dos papéis que desempenhamos durante a vida, sobre como temos que atuar (no sentido interpretativo da palavra, da dramatização) em vários aspectos e em várias ocasiões. É uma película que fala da delicadeza e da instabilidade da nossa existência. Somos fortes, temos poder sobre nosso destino, mas também somos frágeis. O que acreditamos ser verdade hoje, pode não ser amanhã, e uma coisa tão bonita como a vida, se desfaz quando menos se espera.



Um comentário:

Anônimo disse...

Fiquei com vontade de ver o filme...