terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A Fraternidade é Vermelha - Krzysztof Kieslowski


“Amar e se comunicar se tornou quase impossível para os homens. Só a fraternidade poderá uni-los”

A terceira e última parte da Trilogia das Cores é a minha preferida (mas confesso que foi muito difícil escolher). É um filme tão complexo que é difícil classificá-lo. Ao meu ver, é uma película sobre amor, fraternidade, comunicação e compaixão.

Valentine é uma mulher doce, com um ar quase infantil. Seu namorado está fora do país a trabalho, portanto a relação dos dois é restringida a alguns minutos de telefone por dia. A consumação física não pode ser feita. Isso nos mostra a frieza das relações e como concordamos passivamente em levá-las adiante, mesmo que nos incomodem.

O conflito do filme começa quando a personagem principal atropela a cadela de um juiz aposentado. Quando esta é devolvida ao dono, se inicia uma relação inconstante que prenderá nossa curiosidade até o fim.

Valentine descobre que o juiz escuta as conversas telefônicas de seus vizinhos e fica totalmente perplexa e indignada. A princípio, sente asco, mas isso era o que ela precisava para se sentir atraída pelo tal homem. A relação de amizade que se estabelece vem com uma atração quase sexual e a desculpa de que Valentine apenas queria que o juiz parasse de espionar seus vizinhos. A personagem principal é uma pessoa muito boa, ética e correta, mas impressão que fica é que ela não faz bem aos outros por achar isso certo, e sim para ficar bem consigo mesma, para que não se sinta culpada por ter feito algo que não deveria. Isso nos revela sua personalidade: uma mulher boa, mas egocêntrica, que pensa nos outros apenas para fazer bem a si mesma e para ficar em paz com sua consciência.

Neste filme Kislowski constrói sua narrativa com montagens paralelas. Uma estória secundária (aparentemente independente da estória principal do filme) é contada sem estabelecer relações com a estória de Valentine. Num determinado ponto do filme, o juiz conta a sua vida, e percebemos que essa mesma vida vinha sendo contada na estória paralela: um jovem juiz recém-formado (Auguste) mantém uma relação sem amor com uma mulher. Uma noite ele descobre que ela o havia traído. Pouco tempo depois ela morre.

Percebemos que Auguste é uma espécie de projeção do juiz na atualidade, e que sua vida está acontecendo novamente. Auguste é o passado do juiz e este é o possível futuro daquele. Quando Valentine pergunta ao juiz o motivo dele não ter amado de novo, ele responde: “pois eu não conheci você”.

Existem algumas cenas em comum entre os três filmes (vide “A Liberdade é Azul”). Na seqüência da senhora tentando colocar uma garrafa de vidro no lixo, Valentine é a única das três personagens principais que tem uma atitude ativa e ajuda a velha mulher. Isso remete novamente ao caráter da personagem, que é de boa índole, porém também visa inconscientemente seu próprio benefício. É claro, durante o filme, que Valentine está num estado de violência interior. Isso fica evidenciado na força de seus movimentos ao fazer balé e no furor com que bebe água. Ela tem a necessidade de se pôr à prova e de se forçar até seus limites.

A fotografia da película é linda e é determinante para a impressão que o mestre Kieslowski deseja causar. A trilha sonora, no filme, é atribuída a Van den Budenmayer (um compositor que aparece em diversos filmes da carreira de Krzysztof) e não é menos importante. Chamo a atenção para um detalhe que me fascinou (já que o diretor era tão perfeccionista com relação aos detalhes): vemos uma mulher jogando boliche, a câmera se desloca lateralmente para uma mesa onde antes havia se sentado um casal. Em cima da mesa está uma caixa amassada de Marlboro, um cinzeiro com um cigarro ainda em brasa e um copo quebrado. Percebemos então que o casal da estória paralela rompeu o relacionamento.

No fim do filme, Valentine decide viajar para encontrar seu namorado. Mas ela tem medo de avião e, por uma sugestão do próprio juiz, decide viajar de barca (mostrando que somos nós que decidimos nosso futuro). Pouco depois, o juiz assiste na televisão que a tal barca sofre um acidente, onde restaram apenas sete sobreviventes (é aqui que a surpresa é mais forte): um inglês desconhecido, Julie (do filme “A Liberdade é Azul), Olivier (também do “Azul”), Karol Karol (do “A Igualdade é Branca), Dominique (também do “Branco”), Valentine e Auguste (que também estava a bordo da barca). Neste momento, liberdade, igualdade e fraternidade se encontram, mostrando a complexa teia de interdependência a que elas estão inseridas, e que nos momentos críticos da nossa vida, são elas que prevalecem. O diretor nos coloca a bela imagem de pessoas de nacionalidades diferentes unidas por uma tragédia. Por causa do acidente, Valentine conhece Auguste e, por isso, seu futuro poderá ser diferente do presente do juiz.

O “Vermelho” foi para Cannes em 1994, mas perdeu injustamente para Pulp Fiction (até Tarantino concorda comigo). Logo depois, Kieslowski anunciou publicamente que não iria voltar a filmar, pois tinha conseguido com o filme, atingir uma porcentagem do que tinha idealizado que nunca havia conseguido antes, e que achava difícil conseguir de novo. O diretor morreu logo depois, em 1996. Mas morreu sabendo que tinha feito uma obra colossal, que seria lembrada e revista por muitos anos. Filmes maravilhosos que fazem uma profunda reflexão sobre valores e sobre a condição humana.

2 comentários:

PZ disse...

Muito boa a crítica sobre esse filme. Ainda não o assisti, apenas os dois outros da trilogia - "A Liberdade é Azul" e a "Igualdade é Branca". Gostei particurlamente deste último ("Igualdade"). Um filme divertido e ao mesmo tempo dramático e com um bom elenco. Porém sobre a sua resenha sobre "A Fraternidade" só não concordei com o fato de você achar que ele perdeu "injustamente" para "Pulp Fiction" de Quentin Tarantino. Pulp Fiction é o melhor filme do diretor (na minha opinião) e um dos melhores dos anos 90, senão de toda a história cinematográfica. O trama, os atores (Samuel Jackson, Travolta e Bruce Willis) desempenham uma atuação excelente... o roteiro, fotografia, enfim, todos os aspectos fazem do filme "Pulp Fiction" digno de ganhar o Cannes. Fora isso, o seu blog está de parabens e continue assim sempre :D

Felipe disse...

Obrigado mesmo pelo comentário =D
Só quero dizer, que quem disse que o "Vermelho" perdeu injustamente não fui eu, foi o próprio Tarantino na época da premiação.
Mas muito obrigado pelos elogios!
abraços!