quarta-feira, 14 de abril de 2010

Um Cão Andaluz e o Surrealismo

“Um Cão Andaluz” é um curta-metragem feito em 1929, por Luis Buñuel e Salvador Dalí. A inovação totalmente desregrada da estética e a falta de preocupação com a montagem cinematográfica rítmica fizeram deste o único filme totalmente bem sucedido na representação do manifesto surrealista no cinema, tornando-o uma referência indispensável para qualquer interessado em arte. Houve, posteriormente, “A Idade do Ouro”, mas que não obteve tanto sucesso quanto seu precursor.

A idéia do filme consistia em partir de um princípio onírico. Escrever um roteiro da mesma matéria abstrata da qual são feitos os sonhos. Qualquer ligação racional entre atos era imediatamente descartada. O curta deveria ser limpo de impressões, críticas, símbolos e significados. O objetivo era causar, de acordo com a cena, o sentimento de repulsa e atração no espectador.

É antiga e natural a relação do cinema com os sonhos. Por meio dele, podemos assumir papéis que jamais assumiríamos na realidade. Exprimimos nossas fantasias.

Freud não se identificava muito com a sétima arte, mas a idéia de filmar o que não sabemos sobre nós mesmos se mostrou imensamente rica naquela época. Quantas vezes nós somos surpreendidos, em nossas experiências oníricas, por planos e cortes cinematográficos? Talvez nosso inconsciente faça o papel do fotógrafo e nós, protagonistas, participamos da ação em primeira ou terceira pessoa.

O automatismo psíquico apresentado no Surrealismo é uma técnica muito criticada nos dias de hoje, mas é onde podemos perceber a relação entre a ideologia de Buñuel e o seu cinema. Escrevendo cenas aparentemente sem nexo, ele criticava as produções extremamente racionais da década de 20 (próprias de uma arte que está buscando sua linguagem), afinal, como pode a arte ser algo puramente racional?


“Nada, no filme, simboliza qualquer coisa. O único método de investigação dos símbolos seria, talvez, a psicanálise”


Luís Buñuel


Dalí e Buñuel se desentenderam e seguiram caminhos completamente diferentes. Hoje dispensamos tempo para fazer análises semióticas desse filme e imaginar o que escondia o inconsciente dessas duas grandes personalidades. Na verdade, trata-se de uma obra apreciável apenas individualmente e que nos toca de forma diferente a cada vez que assistimos. Como exemplo, é absolutamente pessoal a “descrição audiovisual” da antológica cena em que um homem corta, com uma navalha, o olho de uma mulher. Lembramos de forma diferente pois a nossa memória inventa de forma diferente, assim como também nunca é igual a forma de recorrermos a ela.



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