domingo, 2 de maio de 2010

Jules e Jim - François Truffaut


“Você me disse: ‘Eu te amo’

E eu: ‘Espere’

Eu ia dizer: ‘Possua-me’

Você disse: ‘Vá!’”


Em 1962, François Truffaut realizou uma das maiores obras-primas da sua carreira e o melhor filme de amor de todos os tempos: “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois”. Conta a estória da amizade entre dois homens de países diferentes, desde seu início até o trágico fim. Jules é um alemão que mora em Paris e não tem muito sucesso entre as mulheres. Jim é um Francês que vive rodeado de namoradas. Um dia eles tomam conhecimento da estátua de um rosto de mulher muito antiga, preservada num museu. A peça os impressiona de tal forma que eles se apaixonam por ela e decidem seguir seu sorriso por onde quer que vá.

É nesse ponto que eles conhecem Catherine, uma mulher que se comporta estranhamente para sua época, mas, por se parecer com a tal estátua, se torna irresistível. O filme ostenta a rebeldia presente na juventude dos anos 60, embora se passe na década de 10. Não é apenas uma rebeldia política, e sim, uma tentativa de cambiar os padrões até então vigentes. São os reflexos de uma ‘juventude transviada’ transportados para a época em que se passa a estória. Truffaut teve uma infância difícil. A ausência de amor e referências parentais fez com que ele se tornasse um ‘incompreendido’. Furtava para pagar seus ingressos no cinema. Daí vem a vontade de transgredir, presente em vários filmes de sua vida. Em “Jules e Jim”, isso se manifesta intensamente e sob vários aspectos. A fotografia, por exemplo, dita o ritmo frenético da película. É ousada e diferenciada, assim como a música (hora forte, hora suave), que acentua a relação de contraste e inconstância entre as personagens. A narração contribui para o clima ligeiro, porém romântico que o filme adquire.

Catherine é uma mulher inconstante e impulsiva. Com ela, o trio começa a se aventurar nas “trapaças” da vida, o que se convencionou a chamar de amor livre. Cinematograficamente, é uma verdadeira e intensa exploração dos sentidos: cheiros, visões, sons, sabores e outros. Trata-se de uma experimentação de tudo: da vida, do sexo e da paixão. Na tela há uma explosão de estímulos. A película representa uma abertura sexual nunca antes vista no cinema. A troca entre os papéis do homem e da mulher. O famoso “Turbilhão da Vida” de Truffaut.

Difícil de ser descrita (até porque se trata de audiovisual), a beleza é construída através dos detalhes. Foi a primeira vez que se falou tão abertamente em ménage e triângulo amoroso. Nesse ponto, o filme nos remete à “Bande à Part”, uma das grandes obras-primas de Godard (ou “o filme de Godard para quem não gosta de Godard”, para os íntimos). Aos poucos, os protagonistas desenvolvem uma forte relação de dependência, própria da paixão, porém com a forma mais profunda de ciúme que ela acompanha. O amor entre os três se torna obsessivo.

Catherine adora ser bajulada, mas nunca dá o braço a torcer. Quando não recebe atenção, muda seu temperamento, demonstrando hostilidade. Os homens, no seu fascínio, não percebem o jogo no qual estão se envolvendo e atendem a todas as vontades da mulher. Todos estão numa constante busca por uma liberdade idealizada, na mudança dos padrões da sociedade e na quebra de regras.

Estoura a Primeira Guerra Mundial e, com ela, é consumada a separação das três personagens principais, que só se verão juntas novamente após o fim das batalhas. Esse longo período é suficiente para esfriar o relacionamento e pôr fim ao “Turbilhão”. Catherine se encontra triste, acorrentada pelo casamento e privada da sua tão sonhada falta de compromisso. Sua inconstância é cada vez maior. A passividade de Jules a incomoda. É aqui que Jim reaparece, suscitando um amor que há muito não aparecia. A angústia da mulher está na dúvida entre os dois amigos. O passar do tempo é rápido, porém quase imperceptível. As personagens não envelhecem fisicamente, e sim na “alma”.

Após a linda cena em que Jeanne Moreau canta na presença das protagonistas, vemos o retorno de um breve ápice do grande “Turbilhão”, mas que não se mostra tão verdadeiro quanto o primeiro. Os “vais-e-vens” da estória determinam de vez o fim da rebeldia, da transgressão, da trapaça e da impulsão. Jules e Jim já não amam mais Catherine, mas continuam com ela por pura comodidade, por medo da mudança. Tratam-na como uma deusa que precisa ser sempre adorada. Quando a mulher o percebe, é necessário reinventar a paixão. Sua busca pela liberdade nunca pode cessar, sendo que ela se materializa na opção pelo suicídio e pelo assassinato de Jim. ‘A liberdade da morte’, que desemboca na bela seqüencia final da cremação dos corpos.


Um comentário:

Unknown disse...

Foi um resumo espetacular da obra e quem a ler, se gostar, certamente que virá a adorar a película, considerando a fidelidade do que foi aqui narrado.