quinta-feira, 27 de maio de 2010

Decálogo I - Amarás a Deus Sobre Todas as Coisas


O primeiro episódio d’O Decálogo é iniciado com a única personagem que aparecerá em todos os capítulos. Tido como anjo, santo ou até mesmo diabo, trata-se de um homem que observa, zela e vigia em seu silêncio.

Existe, claramente, uma dicotomia entre ciência e religião. É o que o diretor nos apresenta nesse início de minissérie. Uma criança se divide entre o pensamento lógico do pai e as crenças da tia. “Atormentado” pelo amor de uma mãe ausente, o menino procura o que nós procuramos nas religiões: abrigo,apoio e conforto. A busca pela fé não deixa de ser o desejo de uma vida mais fácil, com menos sofrimento. Coloca-se a culpa de tudo em Deus, assim como nele é depositada a confiança e a promessa reconfortante de uma nova existência após a morte.

O garoto, completamente espavorido pela idéia racional do nosso fim biológico dita pelo pai (o coração pára de bombear sangue para o cérebro), é abraçado e reconfortado pela possibilidade mística de partir desse mundo e continuar vivendo. As religiões nada mais são do que tentativas de driblar a morte. Temos necessidade de deixar algo para trás: uma boa lembrança ou uma obra a ser memorada. É o que fica da nossa temporada no mundo, o resto passa. A criança, tratada como um adulto com todas as suas responsabilidades e demasiadamente atormentada para a sua idade, representa o dilema de todo ser humano que se preze: a angústia, pois só se é homem quando se angustia e questiona.

Durante o filme, vemos as certezas inabaláveis colocadas à prova. O pai se questiona sobre a possibilidade de explicação para todas as coisas, como na cena em que, como num sinal metafísico, um pote de tinta derrama em uma folha, revelando certa preocupação com o lago congelado. O progenitor é culpado por não impor limites ao filho, o que virá em forma de castigo quando o corpo do menino for retirado inerte do gelo e o “Santo Zelador” já não estiver mais ocupando seu posto.

O computador, na película, representa outra grande polêmica: o advento da tecnologia. Por vezes ele parece ter vontade própria, por outras parece determinar o destino das personagens, já que é por ele que o pai deduz que a camada congelada estava suficientemente grossa para ser patinada. Isso incita, inclusive, a existência de uma alma para o artificial, já que sua inteligência não nos é totalmente explicitada, mas ocupa, sem dúvida, lugar privilegiado nos questionamentos do garoto. Como exemplo, a existência (ou não) do nosso livre arbítrio.

Os valores cristãos ditados pela tia (Deus existe) são confrontados com a quebra da moral defendida pelo pai (Não há alma). Em nenhum momento uma personagem se julga melhor que a outra, pois não há esse parâmetro, já que se tratam apenas de linhas diferentes de pensamento.

Para minha crítica, que sou ateu, ao final percebemos a parcialidade genial do diretor. Há uma pequena vitória, não de Deus ou das crenças, mas da crítica ao pensando lógico (em que tudo pode ser explicado pela ciência). A criança é retirada morta do lago e todos se ajoelham. Só resta seu registro eterno numa reportagem de TV.

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